sábado, 7 de febrero de 2009

O pequi

Fruto do cerrado

O pequi, comida originalmente indígena, ganhou as mesas e o coração dos brasileiros

Por Telma Lopes Machado*, de Pirenópolis, GO

“Cuidado com os espinhos. Não morda, simplesmente roa a fruta.” Se você nasceu ou, por algum motivo, guarda recordações do centro-oeste brasileiro (ou mesmo do norte de Minas), certamente já ouviu essa frase. Aprender a comer pequi é algo que, por essas bandas, se aprende cedo, desde criança. Quando falamos de culinária goiana, impossível não vir à mente o pequi – fruta nativa do cerrado, encontrada em duas espécies.

Tem forma arredondada e cor verde, tornando-se amarelado ao amadurecer. Uma camada espessa protege os caroços de cor alaranjada e, às vezes, branco, dependendo da região. O fruto contém de um a quatro caroços – é essa a parte comestível. Seu sabor é indescritível e o cheiro, forte. Quanto mais amarelado, mais saboroso. É por isso que atrai muito os animais, ávidos consumidores.

No caroço existe uma polpa e, abaixo dessa polpa vêm os famosos espinhos que protegem a semente (daí o cuidado na hora de comê-lo!). Essa fruta aguça nosso paladar, levando-nos a degustá-la com pressa.

E é na pressa que acontecem os acidentes. Os espinhos são avermelhados, e se confundem com a cor da pele, principalmente da língua. Na maior parte dos frutos, os espinhos são externos, fazendo com que os animais se afastem de imediato. Uma proteção natural da planta. No pequi, é diferente: eles ficam escondidos e pegam de surpresa os mais afoitos.

Acidentes à parte, o pequi é saboroso e também saudável. Segundo estudos do biólogo César Grisólia, da Universidade de Brasília, o pequi tem 60% de óleo insaturado, que não faz mal ao organismo. Apesar de tanta gordura, o fruto não representa risco ao colesterol. É rico em vitamina A, C e E, sais minerais (fósforo, potássio e magnésio) e em caroteno. Seu consumo evita a formação de radicais livres, ajuda na prevenção de tumores e no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Os estudos de Grisólia provaram que, mesmo cozido ou congelado, o pequi não perde as propriedades devido à grande concentração de gordura.

Comida típica indígena, o pequi entrou rapidamente nos hábitos alimentares dos bandeirantes, talvez devido à escassez de comida naquela época. A cidade de Goiás (antiga Goiás Velho) e Pirenópolis, ambas no interior goiano, já mostravam seu consumo abundante desde o século XIX. As receitas são várias – pequi com frango, com arroz, com carne-seca, licor de pequi e pequi simplesmente. Em Goiás, ao contrário de outras regiões do país, não se usa pequi para fazer sabão. Por aqui, entende-se que essa é uma iguaria preciosa demais para ser usada dessa maneira.

Hoje, o pequi ganhou as mesas de todo o Brasil. A facilidade de congelamento fez com que os chefs de cozinha o utilizassem com mais freqüência, criando pratos exóticos. A castanha do pequi, que fica abaixo dos espinhos, é torrada e consumida de várias maneiras. A farinha da castanha é base para condimentos em alguns pratos.

Pequi é fruta para comer lentamente. Quando criança, tínhamos o costume de contar os caroços para saber quanto havíamos comido. Lembro-me, particularmente, da época das queimadas no cerrado, em outubro, quando tudo é sequidão, e todos aguardam a chegada das chuvas. Mas o cerrado é como a terra prometida para os sertanejos. Com as primeiras chuvas, da terra árida brotam, com uma força inexplicável, flores e frutos. Uma infinidade de insetos faz a polinização no maior ecossistema do mundo. E da pequena árvore nascem as primeiras flores do pequizeiro. Isso, para os sertanejos, é motivo de alegria.

Outra coisa que todo sertanejo sabe é do apreço dos animais pelas flores do pequi. Debaixo de um pequizeiro, encontrava-se rastros de veados, pacas, tatus, raposas, que passavam por ali em busca das flores que caem. Sertanejo que é sertanejo ficava ansioso vigiando o crescimento dos frutos, anúncio de chegada do tempo de fartura à mesa. Não para todos, claro. Como costuma acontecer entre a população do interior, há muitas lendas sobre seu consumo. “Você não pode comer porque está amamentando e isso vai dar dor de barriga na criança”, diziam as avós.

Em época de colheita, o trabalho é feito de dois em dois dias – isso para dar tempo de os frutos caírem de maduros. Pequi bom é colhido no chão. Tem-se de esperar amadurecer no pé para não amargar. As trabalhadoras vestem uma calça comprida debaixo da saia, calçam botinas para evitar mordida de cobras e vão, ao nascer do sol, para o alto da serra para colher o pequi que caiu de noite. Vão conversando e colhendo as frutas pelo caminho.

E, para completar a lista de qualidades do pequi, não dá para esquecer que, segundo a cultura popular, essa fruta tem propriedades afrodisíacas. A receita é simples: basta cozinhá-la no leite e tomar quente, pela manhã, como um achocolatado. Quem sabe, não é esse o chocolate do cerrado?


Curiosidades e peculiaridades

  • O pequi é também conhecido como piqui, piquiá, amêndoa-de-espinho, grão-pequiá, suari e pequerim, entre outros nomes. Do tupi: “py” significa casca e “qui”, espinho.
  • O fruto alcança até 14 centímetros de comprimento por 20 centímetros de diâmetro, podendo pesar 300 gramas.
  • O sabor e o aroma são marcantes e peculiares. O cheiro do pequi é frutado, perfumado e ácido, lembrando o maracujá, e a polpa é cremosa e saborosa.
  • Seu caroço tem muitos espinhos – cuidado com eles!
  • O pequi é cultivado em todo o cerrado brasileiro, que inclui os Estados do Pará, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, como também nos Estados nordestinos, Piauí, Ceará e Maranhão. Sua safra ocorre entre os meses de novembro e fevereiro, mas encontram-se frutos fora desse período.
  • Estão sendo feitas pesquisas para a utilização de pequi como biocombustível. Para cada quilo do fruto, é possível obter pouco mais de 1 litro de biocombustível, que pode substituir o óleo diesel. O mais interessante das pesquisas é a demonstração de que o pequi pode reduzir a emissão de poluentes em até 30% e o motor não perde no rendimento.

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*Telma Lopes Machado, versada na gastronomia do Centro-Oeste, é proprietária da Fazenda Babilônia, em Pinerópolis (GO)

Foto Paulo Mercadante / produção Cristina Esquilante

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